Migração para Software Livre 6 – Estudo de Caso: Migração no Governo Federal

A utilização do Software Livre é muito mais do que uma escolha técnica para muitos dos atores envolvidos. Qualquer iniciativa acerca de software livre pode render diversas oportunidades de visibilidade na mídia especializada ou não. Tome-se como exemplo o projeto CACIC: trata-se de um programa desenvolvido pelo governo federal para fazer um inventário de seu parque de hardware e software. O projeto, segundo a equipe que o desenvolve, conta com a colaboração de mais de 40 órgãos, já foi apresentado em diversos eventos, encontros e seminários, mereceu as páginas de diversas revistas físicas e eletrônicas e é comentado em inúmeros sites e blogs. Ele está na mídia especializada desde 2004.1 O que o projeto até o momento não fez foi um inventário do hardware e software do governo federal.

O simples fato de que alguém está fazendo ou até mesmo pretende fazer algo utilizando ou a respeito de software livre já merece cobertura midiática. A recompensa em termos de visibilidade para o político que se envolve nessa área é simplesmente imediata. Internacionalmente o Brasil chegou a ser visto como uma espécie de oasis de softwares livres graças a umas poucas linhas escritas no programa de governo do então candidato à presidência Luis Inácio Lula da Silva. Esta não é, obviamente, uma característica exclusiva da junção de software livre e política, mas ela é aqui bem acentuada.

A própria dinâmica do software livre facilita esta potencialização dos ganhos políticos em termos de cobertura midiática e visibilidade. Ocorre que o desenvolvimento do software livre se dá de uma forma fortemente transparente, de modo que diversas versões de testes são lançadas antes de que uma versão final de um determinado aplicativo possa ser disponibilizada. A cada nova versão beta publicada tem-se a oportunidade de visibilidade na mídia especializada.

Observa-se, porém, mais alarde do que alterações no cenário da utilização de software livre no Brasil. Isto é verdade não apenas para a utilização de software livre pela sociedade em geral e também não apenas para os burocratas ordinários da Esplanada dos Ministérios, mas também para os funcionários e servidores da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação (SLTI) do Ministério do Planejamento, órgão responsável por gerenciar os recursos de informação e informática do governo federal e cujos membros aparecem constantemente na mídia especializada tratando de assuntos relativos à utilização de software livre e seus benefícios.

A promessa foi seguida de inação. O programa de governo continha uma referência à utilização de software livre. O Ministério do Planejamento elaborou um Guia de Migração para Software Livre e um Plano de Migração2. Ganhou-se a atenção da mídia especializada nacional e internacionalmente. Planos ambiciosos foram dando lugar a planos mais modestos, planos modestos deram lugar a recomendações. Listaram-se inúmeras razões pelas quais o software livre seria mais eficiente, mais seguro, mais barato. Falou-se sobre o tema em diversas ocasiões. Elaboraram-se cursos online para que funcionários públicos aprendessem a utilizar os aplicativos, chegou-se mesmo a instalar alguns aplicativos livres em algumas máquinas. Na prática, porém, para atingir o número prometido de estações de trabalho com Linux, o Ministério do Planejamento migrou as máquinas de suas guardetes.

Há um marcante traço político nos anúncios do governo de que a utilização de software livre resultará em economia para o Estado, em desenvolvimento econômico, apoio a pequenas e médias empresas, maior segurança e estabilidade, além de ser uma questão estratégica. Esta conotação implica, em tese, em que os atores envolvidos com a gestão dos recursos de informação e informática do Governo Federal têm grandes incentivos para utilizar softwares livres. Há ganhos em visibilidade tanto individualmente para cada gerente de projetos e diretor da SLTI, como para o governo como um todo. É no âmbito da SLTI que foi desenvolvido o guia de migração para software livre e esta secretaria é o local de trabalho de importantes atores envolvidos no mundo do Software Livre, como o Sr. Rogério Santanna e o Sr. Corinto Meffe. É, portanto, o lugar ideal para que iniciativas de migração floresçam e prosperem.

O CACIC ainda não chegou a fazer um inventário do hardware e software utilizado. Os números do inventário parcial ainda não foram divulgados, mas já se sabe que a utilização de software livre é ainda muito baixa. Não disponho dos números para toda a Esplanada, mas o número de usuários de GNU/Linux na SLTI está em torno de apenas 20.

O desafio da migração de estações de trabalho3

Os planos de migração elaborados não eram tão ambiciosos e previam uma migração de apenas 10% das estações de trabalho da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação para Linux até 2005 e 50% até o final de 2006. Tal meta está ainda longe de ser atingida e não há qualquer trabalho visível neste sentido, salvo o daqueles engajados na comunidade no sentido de promover uma tal migração, e o de elaboração de novos planos e guias. Para deixar bem claro, rigorosamente nenhuma ação para uma migração efetiva das estações de trabalho da própria secretaria foi tomada de 2005 até hoje. Nenhum cursinho, nenhum memorando, nenhum panfleto e sequer passou alguém de sala em sala dizendo “usem Linux”. Passaram algumas pessoas vestidas de palhaço dizendo para reciclar papel, mas nada sobre Software Livre.

Durante o segundo semestre de 2006 dois servidores tomaram a iniciativa de tentar promover uma migração de estações de trabalho no âmbito de um dos departamentos da SLTI, o Departamento de Governo Eletrônico. O pequeno tamanho4 do departamento possibilitaria que se tornasse em um curtíssimo espaço de tempo o primeiro departamento de toda a Esplanada a trabalhar exclusivamente com sistemas operacionais GNU/Linux. A inexistência de sistemas críticos em produção ali permitia que se fizessem testes e que os funcionários tivessem tempo para um aprendizado adequado das novas ferramentas. Ademais, havia computadores sobrando (ao menos quatro) e pouco trabalho quotidiano. Em agosto de 2006, estes dois servidores migraram suas próprias estações de trabalho e começaram a desenvolver um plano de migração para o pequeno departamento, que posteriormente foi apresentado à direção juntamente com os ganhos políticos que a divulgação de que a Esplanada tinha um primeiro departamento rodando exclusivamente Linux iria gerar. A idéia foi bem acolhida. O projeto, entretanto, não vingou.

O início

O entusiasmo típico de quem acaba de começar um novo trabalho pode ser a explicação mais fácil do porque o projeto de migração de estações de trabalho do DGE começou. A questão do Software Livre é tema freqüente na SLTI e figura entre suas políticas. O Guia de Migração para Software Livre do Governo Federal e o Plano de Migração para Software Livre do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão foram desenvolvidos no âmbito desta Secretaria.5 O departamento contava, entre seus membros, com um profissional de TI, que utilizava um dual boot Windows e Ubuntu Linux em seu desktop. Alguns efeitos gráficos e os programas que utilizava sempre chamaram a atenção de outros membros da equipe, mas provavelmente devido a sua formação na área, a idéia de que o Linux exigia grande conhecimento de informática de seus usuários foi ratificada. Em junho de 2006 um novo funcionário chegou ao departamento, sem qualquer formação em informática, mas que conhecia o Sistema Operacional GNU/Linux de uma utilização incipiente em casa. Demorou aproximadamente dois meses até que se entrosasse com a equipe e descobrisse que era permitido aos funcionários formatar suas máquinas para instalar em um sistema operacional livre.

O fato de que o Ministério tem uma política de segurança em informática que não permite que os usuários instalem novos programas em suas máquinas sem o auxílio do suporte técnico, aliado ao fato de que o referido suporte demora semanas para atender um chamado e ao fato de que há controle e suporte apenas para máquinas que estejam utilizando o Microsoft Windows® é um importante incentivo para que os usuários aceitem experimentar o sistema livre e foi, sem dúvida, um importante incentivo para a instalação inicial de um segundo dual boot.6 Isto porque houve a necessidade de instalar novos aplicativos (que podiam ser obtidos gratuitamente na Internet) para a melhor realização de tarefas rotineiras (Leitura de arquivos em .PDF). Como isto era vedado pela política de segurança do ministério, que exigia uma senha reservada aos administradores das estações de trabalho (funcionários de uma empresa estatal contratada para tanto) para a instalação de novos aplicativos, abriram-se chamados solicitando as instalações. Os chamados demoravam semanas para serem atendidos e, via de regra, os problemas eram resolvidos antes com a ajuda dos colegas. Não havia, porém, qualquer política de segurança para máquinas utilizando sistemas GNU/Linux e por isso resolveu-se instalar um dual boot7 para poder utilizar livremente as ferramentas de trabalho, inclusive instalando softwares e removendo softwares e configurando o sistema.

Um funcionário de um outro departamento particularmente engajado na comunidade de software livre, ao perceber que haviam duas máquinas rodando Linuxt elogiou a iniciativa, mas criticou fortemente o uso de dual boot, convencendo os dois usuários de Linux de que se eles eram capazes de utilizar 100% do tempo o sistema operacional livre não fazia sentido manter em suas máquinas o proprietário, que, por ser mais bem conhecido permitia que ao invés de se aprender como fazer determinada operação no Linux se reiniciasse a máquina para rodar o Windows. Ele acreditava que um dos grandes impedimentos a que alguém se acostumasse com sua nova ferramenta era a facilidade com que, à primeira dificuldade, poderia retornar à ferramenta anterior.

É compreensível, dado que a SLTI tem ganhos políticos com a divulgação de ações relacionadas ao software livre, que o discurso contrário ao dual boot tivesse acolhida. As esperanças de conseguir ganhos em eficiência e redução de custos com o uso do software livre efetivamente não fazem qualquer sentido com o dual boot, uma vez que é necessário neste caso ter a licença de uso do sistema proprietário e manter uma equipe para dar suporte a ambos os sistemas. Os funcionários eliminaram o dual boot de suas estações de trabalho e passaram a rodar exclusivamente Linux.

Um terceiro funcionário começou a se interessar, este não apenas por questões ideológicas, mas também por interesse pessoal já que planejava a compra de um computador para sua casa e a possibilidade de ter softwares com suporte, sem custo, sem o inconveniente da pirataria e com risco de vírus bastante reduzido lhe era agradável. Implementou-se um sistema com dual-boot em sua máquina para que pudesse experimentar o novo sistema operacional. A partir daí percebeu-se que este movimento poderia crescer e, dado o pequeno tamanho do departamento, tornar o DGE totalmente livre de licenças proprietárias de softwares em seus desktops.

A idéia

A idéia era agradável e traria louros políticos interessantes a custo zero e pouco esforço. Elaborou-se, então, um plano de migração para software livre, com base no Guia de Migração desenvolvido pela própria SLTI, incluindo uma página wiki de suporte e ajuda, um fórum para publicação de dúvidas e comentários e um sistema de suporte remoto para que os usuários mais experientes pudessem ajudar os novatos sem ter de sair de suas estações de trabalho. O plano e a página wiki, as funcionalidades e os benefícios inclusive políticos da iniciativa foram apresentados à diretora, que aplaudiu a iniciativa.8

O projeto ganhou novo impulso e, já com a aprovação da chefia conversou-se com o estagiário. Este facilmente se deixou convencer, provavelmente em função de sua baixa posição hierárquica. Sua estação de trabalho foi migrada sem qualquer período de teste ou experiência. Ao chegar ao trabalho no dia seguinte simplesmente todos os seus aplicativos haviam sido substituídos. É significativo que praticamente nenhum auxílio tenha sido necessário para que ele se adaptasse ao novo sistema. O sucesso, neste caso, foi tão expressivo que ele migrou também o computador pessoal em sua casa.

O projeto chegava a seu apogeu. Havia uma clara divisão da equipe em dois grupos. Não que houvesse qualquer espécie de inimizade, mas apenas que as amizades eram mais fortes dentro dos referidos grupos e chegou-se a um estágio em que os quatro componentes de um dos grupos estavam utilizando Linux. Isto evidenciou que a proximidade, tanto social quanto física, havia sido um importante instrumento de convencimento que, entretanto, já não seria mais útil. A chegada de uma nova funcionária (que se sentaria junto ao grupo que utilizava Windows®9) era a oportunidade ideal para começar a difundir o novo sistema operacional junto aos demais membros da equipe. Felizmente esta funcionária já chegou com conhecimento anterior sobre o sistema GNU/Linux e aceitou facilmente fazer a migração. Desta forma, apenas a diretora substituta, a diretora, sua secretária e os funcionários terceirizados não estavam utilizando o sistema livre.

Para convencê-los acreditou-se ser necessário garantir que não necessitariam aprender a utilizar aplicativos diferentes daqueles que já utilizavam e que os trabalhos gráficos que faziam poderiam continuar a ser feitos de preferência nos mesmos aplicativos proprietários de antes sem o inconveniente do dual boot. É necessário aqui adicionar a explicação de que estes membros da equipe eram justamente os mais próximos da chefia por laços de amizade e que, por isso, julgava-se que seria arriscado incentivá-los a migrar antes da certeza de que não enfrentariam qualquer dificuldade que os levasse a desacreditar a iniciativa perante a diretora.10 Isto implicava em dificuldades técnicas adicionais. Instalou-se o sistema GNU/Linux em uma máquina de testes para tentar fazer com que tudo funcionasse perfeitamente para evitar problemas após a instalação nas outras estações de trabalho.

Dificuldades

A diretora substituta saiu de licença maternidade. A diretoria saiu de férias. A nova substituta, ocupante de cargo comissionado há apenas dois dias no departamento recebeu uma estação de trabalho com sistema operacional e aplicativos livres (tratava-se da máquina que estava sendo utilizada para os testes). Após utilizar a máquina por alguns minutos decidiu que seria necessário instalar o Windows em sua máquina, sob o argumento de que o tempo que seria necessário para se acostumar com a nova ferramenta era impeditivo, já que teria de fazer uma apresentação para o dia seguinte. A equipe acolheu o pedido, mas como a instalação de todos os aplicativos que ela desejava implicava a aquisição de licenças que o departamento não dispunha foi necessário acionar o suporte. Uma vez contactado o serviço de suporte, por se tratar da diretora do departamento, em uma semana e meia a estação de trabalho estava funcionando com o sistema proprietário. Após este episódio não ocorreu nenhuma outra migração. Ao chegar da licença a diretora substituta solicitou a retirada do wiki de ajuda do Departamento do ar, e o projeto foi encerrado.

É interessante notar que as dificuldades encontradas no processo de migração não foram de ordem técnica, mas de ordem social. Haviam razões técnicas e políticas para a migração: ganhos em eficiência, redução de custos, compatibilidade, estabilidade e ganhos políticos praticamente imediatos e com baixíssimos custos. O departamento já contava com usuários capazes de dar suporte aos demais, com uma habilidade já muito boa em software livre (ambos mantém sites pessoais de ajuda sobre Linux na Internet) .Tais razões, porém, não são fortes o suficiente para convencer os dirigentes a se acostumar com uma ferramenta sutilmente diferente

As dificuldades técnicas foram superadas facilmente: apenas dois membros da equipe, sendo um deles sem qualquer formação na área de TI foram capazes de instalar e manter em funcionamento um servidor e cinco estações de trabalho rodando Linux, com todos os aplicativos necessários para o dia a dia, além de total compatibilidade com as redes do Ministério e isto sem perda de produtividade nas demais atividades. Até mesmo um projeto piloto de VoIP que estava sendo implementado por um outro Departamento da Secretaria pôde continuar sem turbulências. Não há suporte técnico para Linux no Ministério do Planejamento. As principais dificuldades foram superadas com consultas à comunidade, a usuários mais experientes e a manuais e tutoriais, sempre com sucesso. Já as dificuldades sociais, a dificuldade de aproximação social para viabilizar a persuasão e principalmente a hierarquia dos usuários que relutaram em migrar interromperam o processo.

Não obstante, pode-se dizer que apenas usuários com certa predisposição ao uso de software livre e usuários mais próximos da pequena equipe que desenvolveu o projeto migraram suas estações. O pequeno sucesso alcançado se deu muito mais em função de laços de amizade da iniciativa dos membros da equipe do que de qualquer determinação política. Assim, também as razões do breve sucesso foram sociais. As diretrizes políticas serviam muito mais como argumentos utilizados no sentido de persuadir a diretora do que como diretrizes propriamente ditas.11

Não haveria, em tese, lugar em que a questão do software livre tivesse um apelo ideológico mais forte, em que houvesse maior acúmulo de conhecimento e capacidade técnica para utilização de sistemas livres mesmo sem qualquer suporte externo e onde os ganhos oriundos de uma migração fossem mais imediatamente percebidos do que na Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação. Ainda assim, os planos de migração são um eloqüente fracasso. Efetivamente, deve-se reconhecer que a questão da migração dos Desktops da secretaria não é sequer discutida mesmo no âmbito da SLTI. Quando se fala na utilização de software livre, via de regra, está-se referindo à utilização de determinados produtos para rodar nos servidores, na liberação do código de aplicativos desenvolvidos pelo governo com uma licença livre ou mesmo na disseminação do uso na sociedade em geral, não na própria secretaria.

Mesmo a alardeada utilização do pacote de escritório OpenOffice, ainda que rodando em um sistema operacional proprietário, não é perceptível no governo federal. Costuma-se atribuir a principal dificuldade a uma questão cultural, a uma rejeição por parte do usuário do aplicativo livre. Esta alegação, não obstante se assentar sobre uma constatação verdadeira, qual seja, a de que o usuário efetivamente reclama quando começa a utilizar os aplicativos livres, esconde uma falácia importante. A compatibilidade entre os aplicativos é, efetivamente, muito alta. Não existe praticamente qualquer dificuldade em se ler um arquivo produzido com o pacote proprietário no pacote livre. As principais dificuldades apontadas pelos estudos que levaram esta questão em consideração estavam relacionadas à confecção de macros e outras ferramentas avançadas que raramente são usadas e, em particular, não são utilizadas senão por um dos membros do departamento objeto deste estudo e este membro era um dos que promoviam a migração. Ademais, dentre os usuários que utilizaram os aplicativos por pelo menos um único dia completo nenhum teve qualquer dificuldade significativa.

Não houve qualquer interesse por parte da diretoria de que as demais máquinas continuem num processo de migração. A própria diretora, sua substituta e sua secretária utilizam exclusivamente softwares proprietários em seus desktops. Todos os notebooks do departamento (salvo os notebooks pessoais que não obstante são usados na rotina de trabalho) utilizam exclusivamente software proprietário.

Quanto à secretaria como um todo, seu gabinete continua praticamente livre de softwares livres. Todas as estações de trabalho utilizam sistemas operacionais proprietários, todas possuem pacote de aplicativos de escritório proprietário12, incluindo as máquinas do Sr. Secretário Rogério Santanna, do Sr. Secretário Adjunto Rodrigo Assumpção. Não há empresa de suporte para Linux contratada pelo Ministério do Planejamento para dar suporte aos supostos 50% de estações de trabalho que estariam atualmente utilizando estes sistema operacional. Contam-se efetivamente alguns dentre o corpo técnico desta secretaria que utilizam sistemas operacionais e aplicativos livres, mas estes migraram por conta própria, são responsáveis pela manutenção de seus sistemas e ainda por conta própria ajudam outros que queiram fazer a experiência. Em resumo, a pequena utilização de software livre em estações de trabalho no âmbito da própria SLTI não é decorrente de qualquer política de governo, mas do esforço de membros da comunidade.

A migração de estações de trabalho é basicamente uma questão administrativa. Não se tratam de procedimentos complexos ou que estejam fora da governabilidade de um determinado diretor ou secretário. São simples questões administrativas. O fato de que a SLTI não consegue migrar as estações de trabalho da própria SLTI depende de um fator fundamental: ela não está tentando migrar. Não está tentando migrar, não esteve e não tem qualquer plano sério de efetivar uma migração.

Nenhuma circular ou memorando correu pela secretaria informando prazos de migração, nenhum técnico visitou os departamentos e gerências auxiliando os processos de migração, os formatos padrão utilizados são os formatos das ferramentas proprietárias, nenhum termo de referência para contratação de suporte, os sistemas web do ministério rodam apenas no Internet Explorer (Sigplan, Sisplan) enfim, apesar do que diz a imprensa não há qualquer esforço grande ou pequeno por parte da SLTI no sentido de efetivamente migrar suas estações de trabalho.

A questão é: por que não? Considerando as alegadas vantagens, economias, a ideologia, os ganhos políticos advindos de um processo de migração, por que este processo não ocorre eficazmente? No próximo post tentarei oferecer subsídios, mas vc já pode deixar sua opinião.

1Alguns exemplos:

O Google retornava ao final de 2007 mais de 11.000 resultados para a busca “CACIC Governo Federal”

O CACIC foi apresentado em todos os Fóruns Internacionais de Software Livre (FISL) desde 2004 (http://fisl.softwarelivre.org) e está prevista sua participação no Fórum de 2008

no Encontro de Software Livre da Paraíba

(http://www.ensol.org.br/ensol_2006/index.php?option=com_content&task=view&id=55&Itemid=66)

Foi objeto de artigos do Dicas Linux em 2005 e do IDG now em 2007, respectivamente:

http://www.dicas-l.com.br/dicas-l/20050519.php e

http://idgnow.uol.com.br/computacao_corporativa/2007/04/13/idgnoticia.2007-04-13.5364180936/IDGNoticia_view?pageNumber=2 )

Teve artigo publicado na revista Informática Pública: http://www.ip.pbh.gov.br/ANO7_N2_PDF/IP7N2_peterle.pdf

No YouTube há uma entrevista sobre o CACIC em que um dos políticos envolvidos é elogiado apesar de não oferecer resposta à pergunta que o CACIC deveria responder: qual o quadro de utilização de software livre no governo federal? http://www.youtube.com/watch?v=mqxQlZC_L-M

2O Guia Livre podia ser baixado em julho de 2007 no seguinte endereço: https://www.governoeletronico.gov.br/anexos/E15_469GuiaLivre-v1-02.pdf e o Plano de Padronização de Ambientes e Migração para Software Livre do Ministério do Planejamento : https://www.governoeletronico.gov.br/anexos/plano-de-padronizacao-de-ambiente-e-migracao-para-software-livre

3Este tópico se baseia em estudo de caso sobre a migração de estações de trabalho do Departamento de Governo Eletrônico (DGE) da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação (SLTI) do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG)

4Não é tão simples dizer com quantos membros um departamento conta. Há sempre funcionários que não obstante pertencerem a um departamento, trabalham em outro. Apesar disso, o DGE conta (em seu dia a dia, não no papel) com uma estrutra de cargos comissionados de um DAS 5 (diretora), dois DAS 4 (assessora e gerente de projetos), ao menos um DAS 3 (assessora) e ao menos três DAS 2 (cargos técnicos). Além disso conta com 3 funcionários terceirizados, um Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, um Jornalista e um estagiário, totalizando 13 funcionários.

5O Guia Livre podia ser baixado em julho de 2007 no seguinte endereço: https://www.governoeletronico.gov.br/anexos/E15_469GuiaLivre-v1-02.pdf e o Plano de Padronização de Ambientes e Migração para Software Livre do Ministério do Planejamento : https://www.governoeletronico.gov.br/anexos/plano-de-padronizacao-de-ambiente-e-migracao-para-software-livre

6Este tipo de política de segurança é em geral facilmente contornada pelos usuários. Na prática alguns usuários descobriram uma forma de utilizar as máquinas como administradores do sistema sem ter de inserir a senha. Com este status podem instalar quaisquer aplicativos. É interessante notar que eles não revelam seu segredo aos demais salvo depois de ganhar maior amizade. Em conversa com um funcionário que sabia como fazer, fui informado de que não revelava porque se todos soubessem como se faz a empresa que presta os serviços de informática poderia consertar o problema e impedir a estratégia. Por outro lado, a senha é de fato conhecida legitimamente por alguns servidores que têm autonomia para configurar suas máquinas e estes, bem como aqueles que conhecem meios escusos de contornar a segurança, ganham certo prestígio ao serem chamados para ajudar outros membros da equipe quando necessitam realizar alguma tarefa administrativa em suas máquinas.

Outra alternativa muito utilizada é instalar os aplicativos desejados (desde que não utilizem determinados pacotes do sistema operacional, em pastas de documentos de usuários, onde não há restrição para salvar arquivos.

7Chama-se dual boot o procedimento de instalar dois ou mais sistemas operacionais em uma mesma máquina, sendo necessário reiniciar o computador para trocar de sistema.

8A página estava acessível no endereço eletrônico http://dge.wikidot.com, mas o site foi retirado do ar por determinação da diretoria do Departamento. É possível encontrar uma versão antiga do Plano no Arquivo da Internet (www.archive.org), link direto para a página antiga.

9A localização física é efetivamente importante no que concerne à migração e provavelmente a vários outros processos de convencimento. Foi vendo no dia a dia seus colegas utilizarem o sistema livre que alguns se convenceram a testar. A divisão em dois grupos corresponde a uma divisão física da sala em que o departamento está instalado. A explicação de como se dá a difusão de uma determinada crença ou comportamento não pode simplesmente negligenciar aspectos que no dia a dia sabemos que têm muita importância.

10Alguns membros da equipe, especialmente os servidores concursados, pensam haver uma espécie de estratégia da chefia em manter mais próximos de si funcionários terceirizados e com mais baixa formação acadêmica. Os membros da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental, especialmente, se ressentem disso. Dizem que suas competências são sub-aproveitadas e que são tratados como uma espécie de especialistas em burocracia.

Este fato revela também que a iniciativa não tinha forte apoio por parte da diretora. Apesar da política declarada, ela devia, antes, ser convencida e era necessário que estivesse claro cada momento que a iniciativa não implicava em queda de rendimento dos funcionários e nem era decorrente de alguma excentricidade da equipe.

11Este fato ilustra a grande dificuldade em se obter um comportamento coerente por parte dos membros da hierarquia do governo. Determinados diretores e mesmo Gerentes de Projetos apresentam grande autonomia com relação às posições de Secretários. O jogo político não envolve apenas o primeiro, segundo ou terceiro escalões e tampouco se deve pensar que envolve a burocracia enquanto um ator. O jogo político deve ser visto também em cada departamento e por vezes em cada gerência envolvida.

12Ao menos um membro do gabinete utiliza um pacote de automação de escritório livre paralelamente ao Microsoft Office®

 

ÍNDICE:

Introdução

A preferência pelo Microsoft Windows®

Software Livre, Código Aberto e Software Proprietário

Programa Computador para Todos

Motivações para o uso do software livre

Estudo de Caso – Migração no Governo Federal

 

Uma resposta para “Migração para Software Livre 6 – Estudo de Caso: Migração no Governo Federal”.

  1. Parabéns pelo artigo. Muito bem escrito e fundamentado.

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